domingo, 13 de novembro de 2016

RECUERDOS DE LA REP DOM

                                          
                                       RECUERDOS DE LA REP DOM









 




                                                      
                                            ESCANINHO DE RECORDAÇÕES 

    

      O resumo da presente narrativa foi apresentada por este Oficial, em palestra, durante a cerimonia de comemoração dos 50 anos da Campanha do  FAIBRÁS na Republica Dominicana, no Quartel do 57º BI Mtz, saudoso REI "Cara de Tigre",  em 8 Out 2016, a convite do Cel Fernandes , seu
Comandante.
                                                           1 ª PARTE



A Campanha Dominicana, sob a ótica do Cabo n°612 Wilton, QMG-001, QMP-007, Chefe de Peça e Atirador de Metralhadora Browning .30, refrigerada a ar.
 

 

Em uma manhã cinzenta e chuvosa do mês de Novembro do longínquo ano de 1965, 800 jovens, tendo aos ombros um robusto Saco VO ( Verde Oliva), oriundos, na maioria dos Municípios de Niterói e São Gonçalo, no antigo Estado do Rio de Janeiro, embarcaram fardados de verde-oliva, em Aviões Fairchild C-82/C-119, de dupla fuselagem, na Base Aérea dos Afonsos, rumo ao distante Caribe, América Central. 

O orgulho e a alegria estampados em seus rostos, não escondiam porém, traços de preocupação com as próprias vidas e as de seus companheiros, amizades recém-construídas no saudoso Regimento Araribóia, o 3° RI, situado em São Gonçalo,  onde nos havíamos apresentado para cumprir nosso serviço militar. Afinal poderia ser apenas um  passeio, mas então , por quê estaríamos carregando conosco, Fuzis, Metralhadoras, Bazoocas e até Canhões ?



Havíamos sido escolhidos pelo Estado Maior das Forças Armadas, no inicio de nosso recrutamento normal,  para compormos o Segundo Contingente da Missão FAIBRAS. Após, um mês no REI ( Regimento Escola de Infantaria), situado na Vila Militar, em Marechal Hermes, sendo quase na sua totalidade do tempo, em exaustivos exercícios de campanha, no Campo de Instrução de Gericinó, estávamos impregnados até a alma do sentimento da “CARA DE TIGRE”, símbolo daquela OM (Organização Militar).


Não éramos de todo crus no entanto. Nosso Cmt, Coronel Milton Tavares de Souza, herói na Segunda Guerra  Mundial, como Capitão, sabia da importância do lema:  " INSTRUÇÃO DURA, COMBATE FACIL".  Havíamos incluído na 6 ª Cia de Infantaria, a qual, naquele ano fora escolhida para sediar o CFC ( Curso de Formação de Cabos), tendo em vista que uma nova metodologia havia sido implantada, e assim havíamos feito testes e provas, antes de incluirmos definitivamente, de tal forma ,que  os selecionados já iniciavam o recrutamento no CFC. Desde o inicio das atividades ,   os exercícios de campanha no Morro do Castro, na Cova da Onça e na região Oceânica de Niterói,   acompanhados de Acampamentos , Bivaques , Marchas Preparatórias e Táticas e Exercícios de Tiro povoavam nosso tempo com incrível intensidade.

Um belo dia , o Cap Barros Cmt da 6ª e do  CFC, organizou um Torneio de Tiro de Fuzil  Mauser 1908, Cal 7mm, no Stand da Pedreira , interior do aquartelamento. O W de minhas iniciais, me levaram a ser o último a atirar. Como tínhamos que disparar cinco tiros em cada posição, ( de pé, ajoelhado, sentado e deitados), minha vez chegou já no cair da noite. Os nomes dos melhores classificados até o momento ja estavam listados. Alguns Fuzis em melhores condições haviam sido separados e colocados encostados  em uma parede lateral. E lá fui eu, com o andar de matuto de São Gonçalo,  em direção ao dispositivo. Ouvi a voz inconfundível do Sargento Souza, o qual em seu tradicional caminhar na ponta dos pés, gritou, " Sua vez 2231. Acabe logo com isso que  os campeões querem disputar logo a final". Me concentrei, trouxe a chapa da soleira fortemente junto ao ombro direito, enquadrei alvo, massa e alça de mira, o dedo iniciou o lento puxar do gatilho. Ai aconteceu, quando dei por mim estava mentalizando minha falecida mãe e pedindo de forma extremada seu apoio, de forma silenciosa,  para que eu fizesse uma boa prova. Não sei por que até hoje fiz isso, embora em outras situações difíceis, sua imagem e nome sempre me venham  a cabeça.
Terminei calmamente toda a sequencia exigida. A noite daquela Sexta feira já nos abraçava. Sentei-me junto a uma parede branca, estava suando. E queria que tudo logo acabasse. Queria ir para casa.  O Soldado tem faro, senti cheiro, de quebra de rotina. Vozes se alteravam, Sargentos iam e vinham entre os alvos e as posições de tiro, pediram outro Escantilhão ( aparelho para medir concentração de tiros). Os Oficiais que estavam ainda na Linha de Tiro, todos se dirigiram para linha de alvos. O primeiro a me dar a noticia, foi o meu Sargento de Pelotão , o saudoso Souza, o qual de forma apaisanada, me deu um forte abraço dizendo, " Parabéns matador, voce acertou quase tudo no 5X, vai ganhar a medalha". A seguir aproximou-se o Cap Barros, Cmt da Cia e , incrivelmente vaticinou. " Parabéns 2231, se algum dia formos para a guerra voce será meu guarda-costas. Em rápida formatura logo após, recebi minha medalha de honra ao mérito, a qual guardo com carinho, até os dias de hoje.

  

Nossa geração havia sido premiada com a patriótica missão de representar o Brasil, compondo o Destacamento FAIBRÁS (Destacamento Brasileiro da Força Armada Interamericana, na República Dominicana), valor Batalhão, o saudoso I/REsi ( Primeiro Batalhão  do Regimento Escola de Infantaria), do Exercito Brasileiro, juntamente com um Grupamento Operacional, valor Companhia reforçada , dos indômitos Fuzileiros Navais, os quais passariam a compor o Batalhão Fraternidade, ao se integrarem com representações de outros Países.

Juntos, jovens dos EUA (Valor Divisão Aerotransportada), Paraguai, Nicarágua,  Honduras (valor Companhia) , Costa Rica (Valor Pelotão). e El Salvador ( um pequeno grupamento) .Tal contingente, enquadrava-se, juntamente com os representantes do ITAMARATI, entre eles o Embaixador Ilmar Penna Marinho,  na estrutura da FIP (Força Interamericana de Paz), da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Embaixador Ilmar Penna Marinho e Gen Div Bruce Palmer Junior, do Ex Americano e Sub Cmt da FIP
 

O motivo real da Missão, só viríamos a saber  muito depois. Nossos 18 anos e nossas localizações geográficas, relativamente interioranas, não nos permitiam acompanhar as nuances politico-ideológicas do momento. Estávamos servindo a Pátria, e por lei, estrutura  e conjuntura, iriamos para onde as normas, o dever patriótico e as vontades superiores nos mandassem.


E assim foi. No peito de todos nós porém, um surdo e vibrante orgulho nos faziam vivenciar sentimentos felizes.

Hoje, essa viagem de cerca de 6.000 km, cobrindo a distancia Brasil-República Dominicana, é feita em poucas horas.

A época, nosso avião, um garboso sobrevivente  da Guerra da Coreia, um C-119, o famoso "Vagão Voador", da heróica  FAB, tinha algumas limitações. Parou em Brasília para reabastecimento e pernoitou no distante Estado amazônico do Pará, para igual providencia e revisão no maquinário. Dormimos na Base Aérea.  Dia seguinte, rumo ao Caribe. Problemas técnicos, no entanto na Aeronave, obrigaram-na a aterrissar na antiga Guiana Holandesa, onde permaneceu algumas horas para reparo.

Tudo era novidade, fardados 24 horas por dia, nos sentíamos como Legionários do filmes épicos , muitos de nós bem armados, afinal, éramos a primeira Tropa brasileira  a exibir o Fuzil FAL Calibre 7.62mm de fabricação Belga, arma moderníssima a época, e substituta do carcomido Fuzil Mauser, de repetição, modelo 1908, Alemão.

Por volta das 4 horas da tarde do dia seguinte, aterrissamos no Aeroporto San Izidro, em  Santo Domingo, Capital da República Dominicana.
Aeroporto de San Izidro- Santo Domingo


Obs.: Cabe registrar, que antes de pisar no Teatro de Operações, já tínhamos tido algumas baixas leves durante o voo. Sejam pelos seguidos vácuos em que os corpos dos passageiros, soltos dentro do avião, batiam com suas costelas, cotovelos e cabeças em qualquer obstáculo rígido mais próximo, assim que o avião encontrava sustentação novamente  na camada de ar mais baixa,  assim como, um ferimento singular que o Cabo Adilson (Macarrão) conseguiu ao encostar o seu nariz, distraidamente,  no parafuso da escotilha, para vislumbrar o Aeroporto que se descortinava , ao longe, tendo tido seu apêndice nasal quase dilacerado em um desses vácuos. Interessante como uma densa e grande mancha de sangue,  oriunda do acidente, pairava no ar, flutuando e fazendo com que vários militares, inclusive eu, que estava ao seu lado,  se contorcessem para não serem atingidos por ela. Não adiantou, no momento em que o Avião se estabilizou, milhares de gotas vermelhas imediatamente cobriram as fardas de todos que estavam perto.  Dali , nosso estropiado, seguiu para um hospital americano, com o rosto coberto de sangue, tendo se incorporado ao Grupo semanas depois. Sim, tínhamos um Grupo, os meses iniciais na Caserna já haviam se encarregado de selecionar alguns companheiros. A amizade solidificou-se à sombra de barracas militares, tavernas esfumaçadas, bares musicais e árvores dominicanas, suores e tensões, cheiro de pólvora , gás lacrimogênio e  medo, um inicial , angustiante e logo superado  medo,  e foi mantida até os dias de hoje. Passados 50 anos, ainda se reúnem trimestralmente em Niterói, os Cabos Coreixas, Adilson, Vaz,  Aires, Eleir, Bessa,  João Carlos, Alcebíades e eu ( praticamente um GC ). Ainda nos emocionamos ao contarmos, repetidas vezes,  nossas historias, sempre aumentadas é claro.

O primeiro impacto que tivemos ao descer na pista do Aeroporto, foi ao ter contato com os militares do Primeiro Contingente,  que iriamos substituir, os quais haviam partido para a missão 6 meses antes,  quase juntos com a Tropa do Exército Americano,  que realizou o primeiro desembarque na Ilha Espanhola. Seus óculos escuros, de grife,  seus capacetes de aço, camuflados,  com elásticos, onde se prendiam maços de cigarros americanos e europeus, bem como caixas de chicletes , estojos de óculos e pequenos vidros de protetor solar, juntamente com seus trejeitos marrentos de veteranos, e linguagem entremeada com termos em espanhol, bem suas gandolas por fora das calças, e as mangas das mesmas dobradas ate os cotovelos,  decididamente nos impressionaram bastante.
O segundo impacto foi o trajeto em comboio, em numerosos Caminhões com lonas arriadas, sentinelas vigilantes e tensas, do Aeroporto até nosso acampamento principal. Os Jeeps e Pick-Ups que iam a frente como ponta do dispositivo,  tinham " Pescoços de Ganso" soldados nos para-choques com a finalidade de se prevenirem contra armadilhas de arame farpado, decapitadoras de cabeças de motoristas ou guarnições  distraídas. Os grandes Check-Points, enormes Postos de Controle de Transito de Pessoal e/ou Carros, construídos com sacos de areia, e as  seteira com armas ostensivamente  apontadas e as altas e longas formações de Concertinas perimétricas  ,  localizados nas extremidades da ponte do Rio Ozama, e em outros pontos do "Corredor de Segurança", sinalizavam um clima de guerra.  


Os prédios com marcas de metralha e enormes buracos provocados por armas de fogo de grosso calibre, bem como as cabeças ameaçadoras nas lajes e tetos dos sobrados e de edifícios maiores, de onde continuamente se ouvia os gritos  “GO HOME” e "  YANKEES GO HOME",  também nos impactaram sobremaneira. Soubemos inclusive depois, que as manifestações também tinham lugar em outros Países, como a Guatemala , por exemplo.

( Continua)

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