quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Recordações do ROCK IN RIO III. A PM como autoridade máxima na Preservação da Ordem Pública.

ESCANINHO DE RECORDAÇÕES

A PMERJ recebeu a missão de preservar a ordem pública durante os eventos do Rock In Rio III, no ano de 2001. Nossa missão era externa ( a principio) pois qualquer grande fato que saísse do controle dos responsáveis internos, irremediavelmente cairia no colo da Bicentenária. E não foram poucos casos. Sempre foi assim e sempre será.

O tempo era curto, mesmo assim meu Estado Maior Geral, sob a Chefia do incansável Cel Montenaro,  devidamente apoiado pelos Comandos Intermediários da época, preparou um planejamento detalhado e primoroso.

Na época, nossa PM mesmo tendo perdido, graças ao malfadado Código de Trânsito Brasileiro em 1997, a competência para atuar no trânsito ( um desastre para a sociedade), foi para o terreno e através de seu garboso Batalhão de Transito e do Comando Intermediário de Policiamento de Transito, desincumbiu-se de planejamento técnico e ações de Policiamento especifico na área de controle e escoamento de trafego, plenamente elogiados a época.

Foram plotados vários PCTrans ( Postos de Controle de Trânsito) nas Áreas de Interesse e de Influencia da cidade do Rock, próximo ao Rio Centro. Havia pouca massa crítica  para desenvolver o planejamento, tendo em vista que o Rock in Rio I, embora próximo ao local, havia sido implantado de maneira bem amadora e o Rock in Rio II tivera lugar no Maracanã.

Mas mesmo assim, a experiência genérica acumulada pela PM ao longo de seu 200 anos na participação de incontáveis planejamentos de Policiamento Extraordinário permitiram que a missão fosse cumprida a contento.
Além do controle do trânsito, dispusemos no terreno vários Check- Points visando monitorar, controlar e revistar pessoas e automóveis ou outros veículos, tudo obedecendo ao principio dos Círculos Concêntricos, até o objetivo final, onde além da Tropa normal de Policiamento, havíamos reservado substancial Tropa de reserva do Cmt Geral,  enquadrando um PCL, ( Posto de Comando Local) a comando de um Cel Full, com autoridade sobre Forças de Choque, Cavalaria e Unidade de Cães Policiais.
Na rua lateral ao local principal, montamos a viatura do Cmt Geral que a DGAL havia providenciado, recém adquirida, batizada formalmente de PCMCG ( Posto de Comando Móvel de Charlie Golf). Juntos alguns Conteiners, Traylers e Viaturas lonadas para abrigarem a Tropa. O Posto de Radio foi montado no PCM. Lembro-me que em um Trayler próximo ao nosso funcionou a Corregedoria Unificada da SSP, a época com a presença da Promotora Selma que a chefiava. A munição de boca era fornecida pelo 31º BPM da Barra da Tijuca, através de marmitões e rações frias. O apoio de  saúde era materializado  através de nossos valorosos profissionais da DGS..

Na época , embora o planejamento logístico estivesse bem avançado para a criação de nossa Base Aérea, nós ainda não tínhamos  o GAM TA ( Grupamento Aero-Marítimo Ten Antunes). Qualquer apoio aéreo que necessitássemos , administrativo ou operacional, tínhamos que nos reportar ao então CGOA, que nos colocava na fila de atendimento. Consegui que na maioria dos dias do evento uma aeronave sobrevoasse comigo o Teatro de Operações e após, me deixasse no local. Meu retorno foi sempre de viatura.
Tudo corria bem, pequenos furtos, jovens sendo atendidos por intoxicação por álcool ou outras drogas, perda de documentos, pequenos mal-entendidos por parte de Policiais Federais que estavam de folga e não queriam deixar suas armas no cofre que a Administração havia instalado na Portaria. Enfim, nada que pudesse apresentar sequer indícios de quebra da Ordem Pública.

Até que na Quinta Feira, dia 18 de Janeiro de 2001, em meu costumeiro voo de supervisão, senti que a massa humana que se dirigia para as bilheterias da Cidade do Rock, era bem maior do que o costume. Havia se adensado preocupantemente em volume e área de ocupação, com características totalmente diferentes dos dias anteriores.
Sobrevoei mais alguns minutos e desci com uma pulga atrás da orelha. Se os organizadores nos dias anteriores, em conjugação com a PM informavam públicos de 200 a 250 mil pessoas, do alto, pela minha experiência, eu conseguia vislumbrar entre 300 e 350 mil fãs do Rock in Rio., dirigindo-se célere, mas amorfamente para as portas do " inferno". Não imaginava  que a cantora Britney Spers e os irmãos Sandy e Jr, previstos para aquela noite levariam tal público para o Rock in Rio III.
 Logo após a aterrizagem , passei rapidamente pelo meu Posto de Comando Móvel, onde li os últimos relatórios, reuni alguns auxiliares e fui direto para a área das  catracas das bilheterias.
Aprendi ao longo de minha vida de Policial de rua, a reconhecer as várias nuances oriundas do sussurro, murmúrios, altear de vozes, lancinância de gritos, rouquidão coletiva de vozes, tremor de terra pelo pés nervosos, predominância de verdadeiras vozes de comando  etc, a caracterizarem o evoluir do status de uma aglomeração, para multidão, de multidão para turba e dela para turba-multa.. Olhei o relógio, faltavam 3 horas para iniciar-se o show.  As filas em razão das reduzidas catracas arrastavam-se. Superficialmente fiz o primeiro cálculo e senti que não havia como aquela multidão em várias filas indianas passar para o interior da Cidade do Rock antes do show começar. Imediatamente determinei que 2/3 do Efetivo da Tropa de reserva  se posicionasse junto as bilheterias. Os Seguranças contratados, que eram os responsáveis pelo gerenciamento das roletas já me olhavam com cara de preocupação.

Deixei o Cmt do 31º BPM, o saudoso Cel Fázio no local, peguei uma prancheta com o Sgt  mais próximo, e fui a pé com alguns auxiliares até a metade do grosso das filas. Fiz cálculos mais técnicos sobre desenvolvimento de fluxo ( já tinha uns primeiros conceitos recebidos na PM, mas robusteci-os através de meu Curso de Engenharia).

Voltei com a prancheta molhada e prenhe de fórmulas matemáticas que me davam a certeza que o calculo de vazão de entrada havia sido mal feito. pelos responsáveis do espetáculo. Para aquela massa humana que ali estava , em um determinado tempo, aquela testada de catracas de bilheterias não atenderia de forma alguma. Olhei novamente para o relógio  e vi que dessa vez quem estava molhado de suor era eu e não a prancheta. Senti que como  Comandante de uma Instituição de Preservação de Ordem Pública, eu estava com um grande problema nas mãos. Nos dias anteriores não havia tido problemas por que o público tinha sido bem menor. Mas lá estava eu, tendo que colocar para dentro , por uma testada mínima de roletas, em 40 minutos, que era o tempo  que faltava para o show começar, 250.000 mil pessoas já portadoras de considerável nível de estress.( calculei que 50.000 já haviam entrado, em passo de preguiçosa tartaruga).

Decidi enviar o Comandante Fázio ao interior do evento para narrar a situação aos responsáveis e solicitar aos mesmos que, caso necessário, adiassem por algum tempo, pouco tempo, achava eu , o inicio do show ( eu já havia previsto o que poderia acontecer se o show desse inicio, qual seria a reação daquela massa humana que ainda não havia conseguido entrar, sem que tivessem qualquer culpa por isso, afinal todos chegaram na hora determinada)). Após alguns minutos Fázio retornou pelo radio que os responsáveis alegaram que tinham compromisso com os conjuntos que estavam preparados para se apresentarem, bem como com transmissões nacionais e internacionais das emissoras de TV, e que por isso, de maneira nenhuma atrasariam o inicio do show. Foi então que tomei a primeira decisão: Com meu Efetivo PM os quais auxiliados pelos próprios Seguranças das bilheterias, determinei a retirada das mesmas , arrancando-as do chão , ao mesmo tempo que destruía alguns painéis de compensado  que ao lado das bilheterias ainda mais fechavam a linha de entrada. A partir dai foi a braço . Linhas de Policia do Choque formavam uma grande boca onde antes eram as bilheterias, proporcionando um  aumento em mais de  60% a vazão de passagem das pessoas para dentro do pátio inicial da Cidade do Rock. Mas não foi ainda o suficiente. Ainda tínhamos cerca de 100.000 pessoas do lado de fora. Olhei o relógio, eram 17 horas em ponto, inicio do Show. Um som metálico veio lá de dentro, Metais afrontosos e indisciplinadas baterias anunciavam o inicio do show. A partir dai foi fácil prestar atenção na voz nem tão rouca da então já MULTIDÃO, preparando-se para passar pra o estagio de TURBA  e quem sabe TURBA MULTA. Aí tomei a segunda decisão,  Chamei Fázio pelo, radio, e após a certeza que estava me ouvindo, disse-lhe: DIRIJA-SE PARA O PALCO PRINCIPAL DE ONDE SE ORIGINA O SOM, E PARE TUDO. A PARTIR DE AGORA TODO O LOCAL ESTÁ SOB MEU COMANDO. NENHUM SOM, NENHUM MOVIMENTO, NENHUMA AÇÃO QUE POSSA CARACTERIZAR QUE O SHOW ESTÁ COMEÇANDO. SÓ COMEÇA SOB MINHA ORDEM.

Silencio. Passados alguns minutos , Fázio no radio, Cmt estou tendo problemas , no inicio cumpriram , mas depois de ter chegado aqui o principal responsável pelo show, eles recomeçaram.

FÁZIO, É A ÚLTIMA VEZ QUE VOU FALAR, PRENDA TODOS, CONJUNTO, CANTOR, MÚSICO ,RESPONSÁVEL, QUALQUER UM QUE DESOBEDEÇA AS  SUAS/MINHAS ORDENS, E SE HOUVER NECESSIDADE, DESTRUA A BASTÃO POLICIAL OU A TIROS OS INSTRUMENTOS.

Silencio. Passados alguns  minutos, o Comandante Fázio informou que a situação estava sob controle e que o som só seria liberado mediante minha ordem.

Voltei minha atenção então para o grande problema, evitar que a energia gerada pela perda de controle da uma massa humana de 300.000, já agora menos de 50.000 pessoas  destruíssem a exemplo do "estouro do cavalo doido" de infelizes experiências em Cadeias superlotadas, tudo que houvesse pela frente , inclusive elas mesmas. Cabe registrar que pela característica do show dos irmão Sandy e JR, uma quantidade imensa de crianças e pessoas idosas permeava significativamente em meio a essas 300.000 pessoas.

A partir dai foi fácil , as pessoas que ainda estavam de fora a essa altura já tinham certeza que o show só iniciaria quando os mesmos dentro estivessem. E foi o que aconteceu. Olhei o relógio, 1730h . Nenhuma pessoa do lado de fora. Apenas meia hora, eliminação  de algumas barreiras físicas mal projetadas e a disposição para um combate forte contra inconsequentes vaidades  foram suficientes para a PM evitar que uma desgraça de grandes proporções acontecesse.

Cabe registrar que em meio ao problema recebi telefonema do Sub-Secretario de Segurança, meu amigo Cel Lenine, o qual , sem saber que eu estava de corpo presente no local, queria, por ordem do Escalão Superior, que houvera sido contactado  pelos responsáveis da Cidade do Rock, com as versões mais estapafúrdias possíveis contra o Cmt do Policiamento, saber o que estava acontecendo.

Ao ser informado que eu era o Cmt Local, mandou-me um grande abraço, parabenizou-me e desejou-me sorte , e que iria tranquilizar o Escalão Superior, pois a PM estava era cumprindo seu dever.

O dia amanheceu sem mais nenhum problema digno de registro. Fui para casa com a satisfação do dever cumprido e dormi o sono dos justos, embora em alguns momentos me visse em fragmentos de nebulosos sonhos,  comendo cabeças de morcego, cavalgando uma grande onça pintada ao mesmo tempo que tocava guitarra e bebia sangue de harpia.

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