domingo, 13 de novembro de 2016

RECUERDOS DE LA REP DOM ( Capitulo II )


                                    Escaninho de Recordações


                                                                2ª Parte






Transposição da Ponte do Rio Ozama

Assim, chegamos em comboio de caminhões lonados ao lado da Favela Mata Hambre. A área de nosso acampamento principal, conhecida como Região de Feria, era exatamente contigua   a rua da favela. Ao alto o majestoso Hotel Embajador.
 
A partir dali, estávamos incorporados à Segunda Companhia de Infantaria do Batalhão São Domingos, I/REsi, Companhia que tinha como símbolo o filhote de demônio “Brasinha”, pois era conhecida como “Incendiária”, em razão de uma operação em que seus tiros de Canhão 106, incendiaram um posto de gasolina que servia  combustível, regularmente,  para que os rebeldes fabricassem seus Coquetéis Molotov, bombas incendiarias artesanais que eram seguidamente lançadas sobre a Tropa.  Os rebeldes estariam concentrados em fortificação contigua ao Posto, o que motivou os disparos do 106 SR.  


Da favela Mata Hambre , teríamos com o tempo,  uma fonte inesgotável de artigos não convencionais, desde o delicioso Pollo com Papa Fritas, a lavagem e remendos de nossas Fardas, bem como cortes de cabelo por Peluquero/as,  que vinham até o Check Point das entradas das Companhias. Mas vez ou outra,  vinham balas também , sempre a noite tiros eram ouvidos nas proximidades do Acampamento. Nunca consegui saber se oriundos de rebeldes ou de criminosos comuns. 
   


A Primeira Companhia tinha a alcunha de “Guerreira”, por sua capacidade combativa, principalmente por ocasião  da tomada da área do Palacio Nacional, e   a Terceira era a “Pioneira”, em razão de seus homens terem sido os primeiros a pisarem solo caribenho.
Barracas de 10 Praças ao
 fundo
Cada Grupo de Combate ocupou uma barraca lonada para 10 homens. Uma cama de lona e molas, conhecida pela marca Drago e um baú de madeira de fina espessura, eram todo o nosso mobiliário. Rapidamente cinzeiros improvisados de latas de cerveja, desconhecidas por nós até aquele momento, e arames de caixas do Rancho,  surgiam a cada momento no interior das barracas, bem como cabides improvisados com o mesmo material.  Nosso  aparato bélico, nossos mais próximos e definitivos companheiros, nos fariam companhia  por toda a longa jornada. Dormiam a nosso lado,  sempre limpos e manutenidos com óleo próprio. Três barracas para cada pelotão, 10 a 15 barracas abrigavam uma Companhia (haviam também as da Administração, do PPL - Pelotão de Petrechos Leves, do Rancho, dos Sargentos, dos Oficiais, das latrinas,  das casas de banho). Cada área de Companhia possuía um Corpo da Guarda independente, com acesso para o exterior. Na 3ª Cia funcionava uma Cantina rudimentar.
Interior de nossas barracas



A partir daí a rotina foi implacavelmente implantada.

Durante dez dias, ocupávamos Pontos Estratégicos na “Linha de Frente”, que eram posições em sistema de Acantonamento, normalmente situados na cobertura de prédios abandonados. A linha imaginária que ligava esses pontos era a linha delimitadora entre a zona ocupada pelas Tropas legais e a Zona Rebelde, comandada a principio, pelo Coronel do Exercito Dominicano Francisco Caamaño Deño.
 Haviam na parede da S/3 do Batalhão, com cópias nas Companhias, alguns mapas rudimentares que mostravam as divisões em Zonas, Áreas e Setores Operacionais, tais como " Zona Rebelde", "Zona Desmilitarizada", "Ciudad Nueva",  "Corredor de Segurança" , etc.. Ocupávamos também locais considerados como Instalações Vitais ou Estratégicas, como Centro de Abastecimento de Agua, Usina de Energia Elétrica, alguns prédios federais, inclusive durante um período o Palácio do Governo, empresas de radio fusão,  como as Radios Santo Domingo e Guaratita, etc.


Linha de Frente, Praça Independencia
Linha de frente, Cemitério Velho.
Linha de frente, próximo ao Panteón dos Heróis, Calle El Conde.


Durante o dia, normalmente, os problemas eram relativos à CDC (Controle de Distúrbios Civis) nas ruas da Cidade, nessas situações empregávamos os conhecimentos adquiridos em instruções de Operações Tipo Polícia, que no final resumiam-se ao emprego de muito Gás CN (Gás lacrimogênio/ Cloro-acetofenona), tendo em vista que uma das técnicas empregadas pelos manifestantes era a " Fuga do Cavalo Doido". Vinham caminhando normalmente gritando palavras de ordem, de repente a um grito de lideranças, partiam em alta velocidade em direção às Patrulhas, buscando semear o pânico e o terror. No inicio houve certa desorganização em nossos efetivos, mas com o tempo, aprendemos a trabalhar emassados e lançávamos muitas granadas de gás, aos primeiros sinais do " estouro da Boiada", além de sempre procurarmos abrigos em obstáculos urbanos ao nosso alcance, uma vez que pelo efetivo e as características das Manifestações seria impossível praticarmo as Formações de Controle de Tumulto.
Distúrbio Civil
  

 Uma das ocorrências que bem me recordo, deu-se perto do Posto de Vigilância que ocupávamos, em frente ao Cemitério Velho , por ocasião do sepultamento da jovem Salomé Ureña, que havia sido morta por balas disparadas pela Policia local, em um embate de rua, onde os estudantes reclamavam melhores condições de ensino. Durante o enterro, em março de 1966,  com o Cemitério tomado por grande número de pessoas, ouviu-se vários disparos de armas de fogo, oriundas de armas rebeldes. Os familiares da jovem bem como os acompanhantes iniciaram debandada geral. Nosso Pelotão, o 3º da 2ª Cia que estava próximo foi empenhado, no controle da situação. Não me recordo se houve disparos de nossa parte, mas a Revista AHORA !!, que cobria o evento, escreveu:


" Tropas de la llamada  Fuerza Interamericana de Paz, intervinieron em el assunto y la balacera se extiendió hasta las calles aledañas al cementerio viejo y el Parque Independência. Los soldados invasores brasileños fueron los mas activos em este desagradable incidente. " 
Ocorrência no Cemitério Velho






Éramos empregados também em longas patrulhas a pé, com roteiro definido, normalmente reconhecendo a linha limite denominada " Linha de Frente". Em uma dessas Patrulhas, eu e os  Cb Vaz  e João Carlos ( Lotar)avançamos demais no território rebelde e fomos parar na Zona do Cais do Porto, área quase totalmente sob domínio das forças do Cel Camaño.  Assim que percebemos, retornamos quase em marche-marche , durante vários Quarteirões para nossa Área de Segurança, felizmente sem nenhum incidente.
Area do Porto, Rio Ozama/ Zona Rebelde/ Havíamos  ultrapassado  a Linha de Segurança

Patrulhamento  Urbano


A preocupação com os Franco-atiradores era permanente. A figura do Rebelde com arma longa,  escondido em escombros ou janelas escuras, sempre prontos a rebentar nossas cabeças  com tiros certeiros, povoavam a principio nosso sonhos e as vezes nossa realidade. Nessas ocasiões sempre chegavam as noticias de americanos atingidos, ou então degolados, pelo não menos temíveis Homens -rãs, especialistas em silenciar sentinelas. Diziam que eram treinados em Cuba. O que nos confortava era que o espirito amistoso dos brasileiros, sempre em contato cordial com os habitantes locais,  os mantinham longe, os alvos realmente eram os americanos do norte.     


Idem
A noite, normalmente, às vezes, de forma curta, e as vezes duradoura, ouviam-se tiros , a maioria vindo do outro lado do Rio Ozama ou da contígua Zona Rebelde, na  Ciudad Nueva Quando era possível identificar o foco, com relativa proximidade, recebíamos ordens de responder com fogo, se estivéssemos a cavaleiro, mas, como normalmente os rebeldes usavam armamento acoplado a Jipes ou Caminhonetas, e a cada sessão de tiros mudavam de lugar, então não teria eficácia responder ao fogo nessa situação, ficávamos somente abrigados. Apenas uma vez, me recordo, que eu, como Cabo Atirador Chefe de Peça de Metralhadora Browning .30, localizei e enfiei um foco de tiros inimigos durante a noite, o que permitiu com que o então Cabo João Carlos ( Lotar), Atirador de Lança Rojão 3.5, fizesse 2 disparos para o outro lado do Rio Ozama, não sabemos o resultado até hoje.

A cada 10 dias éramos substituídos pelas outras Companhias do Batalhão, retornávamos então ao acampamento, e após dois dias de descanso, iniciávamos intermináveis períodos de instrução. Assim, os acampamentos provisórios na localidade de San Cristobal e nas montanhas limítrofes com o Haiti eram rotineiros. Lá, aprendíamos e treinávamos com afinco, Técnicas de Sobrevivência, Transposição de Obstáculos, Orientação, Pistas de Aplicação, Pistas de Ação e Reação, Instrução de Combate em Montanha, Instrução de Tiro de diversas armas, alguma tintura de Guerra Revolucionaria  e técnicas de Guerrilha e Contra Guerrilha e muita, muita Técnica de Patrulha, etc.
Instrução na Selva Dominicana/ San Cristobal
Instrução na Selva Dominicana/ San Cristobal
Instrução nas Montanhas Dominicanas/ Fronteira  com o Haiti
Idem
Instrução na Selva Dominicana/ Base de Patrulha em leito de rio seco






Cabe registrar com muito orgulho, termos sido a primeira Tropa a aprender as Técnicas de Assalto Aéreo (Operações Helitransportadas), instruções realizadas com instrutores americanos, em seus magníficos e inesquecíveis Helicópteros chamados pela Tropa de “Sapão”. Chegamos a treinar  inclusive esquema de sinalização para lançamento de Cargas de Grande Volumes.


Operações Helitransportada/ Assalto Aereo
Idem
Idem / lançamento de carga



Obs.: Os treinamentos iniciais eram realizados na Cidade,  em uma grande área aberta, em um antigo Campo de Polo cujo nome não mais me recordo. Após duas  ou trê series de treinamento, éramos então transportados para a área  de montanha e selva , já nos arredores de San Cristobal, onde repetíamos exaustivamente os exercícios. 



Cada helicóptero transportava um Grupo de Combate, que mesmo após repetidas orientações nas instruções iniciais, por mais que os instrutores americanos informassem que, só descêssemos  da Aeronave quando essa tocasse o solo, o que se viam eram brasileiros lançando-se da altura de 1 ou 2 metros, para se posicionarem na formação em leque, para proteção do aparelho antes de iniciarem o deslocamento para o objetivo. Mercê de alguns joelhos ou tornozelos torcidos, essa postura a principio irresponsável, duramente criticada, produzia na pratica, uma diminuição considerável no tempo da Operação, além de aumentar a segurança da Aeronave, tendo em vista que permanecia menos tempo no solo. Passado algumas sessões, os instrutores americanos começaram a aceitar essa postura e incorporá-la como correta, pelo menos para Tropa brasileira. ( CONTINUA)



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