sábado, 22 de junho de 2013

A História do CAVEIRÃO ( 4ª Parte)

ESCANINHO DE RECORDAÇÕES
 
Continuação.
 
Um tiroteio frontal infernal teve inicio. Até ai tudo bem. Em conduta de Patrulha, o procedimento protocolar seria abandonar imediatamente as  Viaturas, abrigar-se como puder, responder ao fogo de forma seletiva ou com toda potencia de fogo, e progredir, se possível em direção ao objetivo. O Batalhão lidava com essas situações com absoluta regularidade, portanto até aí, nada de novo, além das descargas de adrenalina, mas isso faz muito bem a saúde.
Mas dessa vez havia um fato novo. Um sorriso sarcástico apareceu no rosto do Caveira 05, o Cap Moura, que passou a falar baixinho, rangendo os dentes- eles não sabem ainda que estamos com o Blindado Paladino, nosso protetor e arma secreta....E mais sarcástico ainda, em meio ao enxame de "abelhas de chumbo" que passavam cada vez mais perto, já começando a me deixar um pouco mal humorado e porque não dizer um tanto  irritado ( nunca me senti muito confortável  ao tomar tiro), o Caveira 05 continuou falando, dessa vez um pouco mais alto, como se estivesse falando sozinho- seus ratos, estão me ouvindo seus ratos de barriga branca, o Paladino da Justiça está aqui...., na nossa frente, junto de nós, para nos proteger, com seu manto de chapas de aço. Nós vamos esmagar todos vocês, vamos esmagar........
 
Aí aconteceu ao mesmo tempo, tiro, bomba, granada e desastre. É que o motor do Paladino iniciou um processo de infarte agudo do "miocabeçote", oriundo dos fatores de risco, velhice, tiro de fuzil no lombo, granada na "sola dos pés", excesso de peso e necessidade de acessar ladeira íngreme. O somatório desses fatores condicionantes para o mal, foi fatal para nosso aliado. O bicho bem  na nossa frente, começou a tossir, tremer, estertorar, patinar, e a emitir ao fundo um barulho que lembrava um esgar de agonia. À frente, e nas laterais, uma cortina de tiros, muitos tiros, granadas muitas granadas, se abatia sobre nós. O nosso protetor, ali, paradão, tipo cavalo teimoso do regimento Heitor Cony acometido de  vícios redibitórios, a recusar obstáculos, naquela fria madrugada,  na escuridão daquela  estreita rua do Morro da Mineira. Até que, na fração de segundos que pareceram horas que esta situação durou, ele, o Paladino, o "Trem de Aço", começou a recuar. Com todo aquele tamanho e peso, começou a  recuar justamente  sobre o nosso carro que vinha imediatamente atrás.

Aquele parrudo para- choque traseiro começou a esmagar a frente de nosso velho Opala. incluindo aí, nessa altura já parte do motor, que começou a liberar um doloroso ruido  de ferro sendo despedaçado. O problema era que eu, o motorista e o Caveira 05 ainda estávamos dentro dele. A rapidez com que tudo havia acontecido, não nos tinha ainda permitido o desembarque sob fogo inimigo.
Foi aí que, com um barulho seco, e bastante alto, mesmo para aquele quadro de situação, seguido de rolos de fumaça ( até hoje tenho a lembrança de que eu teria sentido naquele momento, além da fumaça, algo parecido com cheiro de enxofre), a porta trazeira do Paladino se abriu e rostos pintados de preto e verde, ferozes, surgiram saltando, pulando,  bradando gritos de guerra ( alguns pronunciavam eram palavrões mesmo), com as alças e massas de seus Fuzis Automáticos Leves  buscando alvos a responsabilizar. Era a Guarnição que estava sufocada dentro do Blindado.

Tenho até hoje comigo a bélica imagem da silhueta daquela cena proporcionada pelo contraste: Caveiras em formação de combate, Fuzis guarnecidos, e os clarões do fogo inimigo ao fundo. Era como Cloroacetofenona ( gás lacrimogêneo) lançado em quantidade, dentro de formigueiro ou cupinzeiro. Nesse instante, como se tivéssemos combinado antes, nossos instintos acordaram ao mesmo tempo, o motorista, eu e o Cap Moura. As portas direitas do Opala, na fração de segundos que o esmagador Paladino permitiu, foram abertas a coturnadas, e como se dizia na Ilha Grande, no tempo que lá trabalhei, " caímos na folha", buscando instintivamente uma viela estreitíssima e escura, situada na perpendicular da rua principal. Lá,  nós três e mais dois combatentes da Guarnição do Paladino, passamos imediatamente a fazer parte do reboco, tal foi a nossa capacidade de virar parede e piso. Tudo na busca mimética de nos tornarmos invisíveis e intangíveis à colmeia de balas ( projetis) que com fidelidade absoluta ao fuzis dos traficantes, buscavam nossos corpos ( naquela época, coletes à prova de bala, na quantidade, conforto e eficácia que conhecemos hoje, eram sonhos inimagináveis). A segunda reação foi escrutinar com os olhos de onça e caveira, o túnel onde havíamos nos metido, em busca de atiradores inimigos ou  vestígios dos mesmos, pois naquela situação  poderíamos facilmente nos deparar com destrutivo fogo cruzado. Tal não aconteceu, e a partir daí nos concentramos na forte e regular barreira de tiros que vinha da parte superior da rua. Cabe registrar que nesse momento a sensação, em razão da ação das outras Patrulhas do Batalhão, era de que todo o Morro estava imerso em tiroteio .
O fato novo naquele instante, além dos tiros, era que mais uma vez o Paladino parecia ter passado para o lado do inimigo. Suas chapas de aço, em ângulo adverso, atravessadas no caminho principal, propiciavam cada vez mais condições para que estilhaços  e projetis ricocheteados, passassem a centímetros das sanguessugas  achatadas nas  superfícies possíveis, que éramos nós (ah que saudade das instruções de cobertas e abrigos verdadeiros). O Caveira 05 não parava de grunhir, tentando encontrar um humor que realmente ninguém tinha naquele momento, mas ele continuava falando com os dentes cerrados -Blindado traidor, além de tentar esmagar a gente, ainda quer nos transformar em peneira. Calabar, Calabar.....
 
Consegui contato por sinais e berros com alguns Combatentes dispersos mais próximos, a maioria na mesma situação que meu pequeno grupo, e formando uma nova Patrulha de Combate, com o bravo Cap Moura como homem ponta , dada a criticidade do momento, iniciamos a progressão em direção ao grosso dos tiros. Isso foi possível porque nesse ínterim, as Patrulhas  que receberam a missão da abordagem das Torres para o Campo de Futebol, conseguiram após penoso deslocamento colocar os traficantes da contenção da principal boca de fumo em situação de fogo direto, o que ocasionou, infelizmente  para a Comunidade, até hoje quero crer que por puro acaso, a destruição de dois enormes  transformadores de energia elétrica, provocando  um imenso apagão na Zona de Combate, permitindo assim que nos deslocássemos, morro acima,  em maior grau de segurança. ( CONTINUA)

 

9 comentários:

  1. Obrigado Guerreiro. Acompanhe que ainda virão bons momentos a respeito dessa luta institucional.

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  2. Emir disse:
    Grande Demônio Verde! Foi lá onde tudo começou. Fale um dia da saga dos Demônios Verdes como um dos seus baluartes!

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    1. Caro Emir, não tenha dúvida, estou preparando uma matéria para homenagear nosso querido Cel Figueiredo, na qual citarei a não menos querida Cia Escola, os Demonios Verdes,e finalmente aquela histórica operação com mais de 500 recrutas, na qual loucos Tenentes e Aspirantes, a comando de um não menos louco 1ºTenente, "sequestraram" toda uma Tropa, em clara rebeldia ao Escalão Superior, com o nobre objetivo de:tchan, than, tchan........

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  3. Aula para quem quiser relatar algo: claro, objetivo e, por que não dizer, com mescla de romantismo.

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  4. Vale escrever e publicar mais um livro. A qualidade do relato em primeira mão é muito superior aos pasteurizados e paparicados pela mídia...

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    1. Obrigado pela sugestão caro LeoJandre. Já estou reunindo material para tal. Vou assumir com garra e determinação. Abraço.

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