domingo, 4 de agosto de 2013

A História do CAVEIRÃO  ( 5ª Parte)

ESCANINHO DE RECORDAÇÕES

Continuação...

Que os respeitáveis leitores permitam-me  retornar ( já havia registrado em capítulo anterior) em mente e papel a emoção de assistir/participar de uma incursão efetuada pelo BOPE em terreno inimigo, sob fogo e ferro de fuzis e granadas.

Se alguém nunca viu o BOPE incursionando na escuridão total, em área vermelha, não sabe o que perdeu. É uma obra de arte. É um balé de guerra. Seus homens atuam como um exército de aranhas caranguejeiras, onças pretas, ariranhas  ou grandes  ratos negros focinhudos, a se distribuírem no terreno, em busca do objetivo, como se fosse um corpo só, embora multifacetado em microsistemas celulares, transformando cada quina de parede, portal, fração de poste, paralelepípedo, monturos, corpos mortos ou feridos, em cobertas e abrigos infalíveis, sempre com seus armamentos ECD ( Em Condições De) serem acionados em defesa própria ou de terceiros, MDO ( Mediante Ordem) ou por decisão ou instinto próprio.

Ao amanhecer, todas as bocas de fumo estavam tomadas, os pontos de comandamentos ocupados, muito material criminoso (armas e drogas) apreendidos e alguns traficantes fora de combate. Graças ao bom Deus e a perícia dos Operações Especiais, nossas baixas se resumiram a quatro ou cinco tornozelos e joelhos com entorse e uma omoplata  deslocada, a maioria ocasionadas pelo célere desembarque em movimento do PALADINO. ( Aliás, foi a primeira vez em  que me recordo, após anos e anos de treinamento de Instrução de Desembarque em Movimento, que assisti/participei desses ensinamentos na prática).

Antes de raiar o dia, em plena marcha tática contra o inimigo , porém, uma questão épica latejava na minha mente de Comandante da Operação: Como resolver o problema do " traidor", o PALADINO, nosso blindado "protetor". Estava fora de questão simplesmente deixá-lo onde estava. Primeiramente porque causaria um colossal engarrafamento no principal acesso da Comunidade, e segundo, pelo Ato de Serviço vergonhoso do mesmo, ao sofrer o já mencionado "enfarte agudo do miocabeçote", o qual além de quase matar o Cmt, antes mesmo do combate começar, ter ficado com as vísceras à mostra , mercê de regular, intensa , velada/e ou ostensiva carga de gozações que fatalmente ocorreria quando a Comunidade e a vagabundagem se deparassem com  aquele mamute  estropiado no meio da rua.

A solução foi conseguirmos rebocar o Velho Opala do Cmdo,  semi-destruído,  para o pátio do BPCHq. Quanto ao PALADINO, como à época não existia a nosso alcance uma Vtr -Reboque que conseguisse retirar aquele peso pesado metálico do local, usamos o antigo método da "tração-a-braço", isto é, após o Morro tomado, ainda durante a madrugada, fizemos um mutirão de Caveiras mais robustas, praticamente um ossário emassado e empurramos a muque o " Joaquim Silvério dos Reis", ladeira acima, até o campo de futebol da Mineira, onde lá permaneceu como Posto de Comando Móvel, junto ao Trailer da recém-criada Delegacia de Combate a Crimes Ambientais, o qual foi instalado durante o dia pra servir de base para o pessoal da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), que havia participado da operação. Paradão  ali, no meio do campo de peladas, o PALADINO assumia ares de majestade, fidalguia, arrogância explícita, Physic Du Rôle. Durante todo o dia serviu de carro-chefe excêntrico, sustentando assuntos intermináveis para a imprensa. Sua dominante imagem inclusive, foi adaptada como pano de fundo nas chamadas de um especializado e conhecidíssimo programa policial de televisão à época. Durante longo período (anos) , ele, o Bruto, aparecia dominando a cena em uma Operação Policial ao fundo ( era aquela no Morro da Mineira). A TV marcava bem a silhueta de um Policial Militar, ossudo, com nariz um pouquinho maior que o normal, encarapitado na Torre de Comando, o qual até hoje, não conseguimos identificar se era eu, ou o Cap Meinick. (Claro que naquele dia aquelas  imagens novamente suscitaram alguns telefonemas do Escalão Superior, questionando o que o PALADINO estaria fazendo lá).

Ao cair da noite, com o mínimo de testemunhas possível, lá estava o diligente e solidário  Cabo Abraão, no alto do Morro,  com todo seu ferramental milagroso, incursionando no interior do coração, fígado, pulmão e vísceras maceradas do comatoso PALADINO. Até que, por volta das duas horas da manhã, conseguiu repará-lo superficialmente. Ato contínuo, custodiado por  uma pequena Guarnição de Segurança , o Blindado, procurando-se chamar o mínimo de atenção, se é que isso seria possível , dado ao seu tamanho, foi recolhido, "caminhando dignamente sobre suas próprias   rodas", para o mais recôndito depósito do CMM (Centro de Manutenção de Material). Testemunhas, sua pequena  guarnição, os cães, que latiam desesperadamente, o que sempre me trazia um pouco de nervosismo,  e a vigilante  Lua, que com grande curiosidade, aquela noite,  parecia que nunca havia chegado tão perto da Terra.

No mais recôndito também escaninho existente no coração da Onça Pintada, foi a partir daquele momento, igualmente guardado o projeto da Viatura Blindada de Transporte de Tropa / Pessoal para Incursão em Áreas Críticas ( VBTT/PIAC), da PM. Somente viria tal ideia tornar a fervilhar na minha cabeça, sete anos após, em 1999, quando assumi a função que mais me encheu de orgulho em toda minha carreira., qual seja , a de Chefe do Estado Maior Geral ( ChEMG) de minha Corporação, ocasião em que coloquei em pauta novamente a construção da VBTT/PIAC, assunto que será tratado na parte 6 dessas memórias.

Permanecemos quase dois meses  na ocupação do Complexo da Mineira, Zinco e São Carlos. Embora ocorressem nos seguidos confrontos durante e à frente várias prisões  e baixas no lado criminoso, não logramos acertar contas com o Zé Aipim, o matador de nosso Sargento, pelo menos formalmente que tivesse chegado ao meu conhecimento, embora tivéssemos conseguido recrutar considerável rede de informantes, bem como esquadrinhado cada centímetro quadrado daquela área antes vermelha.

Ao encerrar este capítulo, gostaria de fazê-lo, registrando uma interessante passagem durante as ações. Na segunda madrugada da Operação, com a área física ainda não totalmente consolidada, mesmo com todos os pontos críticos ocupados por nossos Guerreiros, em uma das estreitas vielas da Mineira onde me encontrava em supervisão,  recebi de um de nossos OE, o informe que o Delegado  da DRE, Dr Nonato, estava, juntamente com a saudosa Repórter, com "R" maiúsculo, Albeniza Garcia, vindo na calada da noite, mesmo com toda área tomada pelo efetivo do BOPE, progredindo com sua Equipe e preparando uma reportagem de bolso de colete, como se a Civil fosse a responsável por todos os méritos da Operação. Com todo respeito que tinha e tenho a nossa grande parceira, a Policia Civil e seus integrantes, não poderia permitir que isso acontecesse. Decisão imediata, abrimos um alto guardado de 360 graus e através de sinais e Técnicas de Ação Imediata (TAI), preparamos uma lição selvática no bom sentido, para aqueles que queriam nos tirar a " nossa gloria prometida". Na absoluta escuridão, quando a equipe da Civil entrou na " Zona de Matar", fizemos uma abordagem com o  barulho ensurdecedor característico de um assalto militar. O nosso Delegado me reconheceu na hora, tendo em vista já termos participado de algumas reuniões no Escalão Superior, bem como em algumas Operações Integradas, desta forma ficou tranquilo. Mas o resto da Equipe petrificou. Nossa querida Albeniza deu um grito agudíssimo que cortou a madrugada e desmaiou. O clima de terror absoluto, embora momentâneo estava implantado, atingiu plenamente o objetivo. Após conseguido o efeito pretendido, apresentei-me, pedindo calorosas desculpas,  dizendo que os confundimos com um "bonde" de criminosos. Imediatamente tratei de socorrer a frágil Repórter
Albeniza. A reportagem foi abortada. A partir daí, até o final da Ocupação, as reportagens de cobertura das ações policiais naquele  Teatro de Operações foram consideradas institucionalmente boas, tanto para  Civil como para a PM.

Continua.....

2 comentários:

  1. "quem passa pela vida em brancas nuvens e em plácido repouso adormeceu, quem não sentiu o frio da desgraça, quem passou pela vida e não sofreu, foi espectro de Homem, não foi homem, só passou pela vida não viveu."(Francisco Otaviano).
    Para nós, estes versos não nos cabe...mas para muitos outros, não posso dizer o mesmo! Parabéns, pela sua história, sua luta e sua amizade.
    Eles, NÃO PASSARÃO; mas não mesmo!

    ResponderExcluir
  2. Obrigado Guerreiro, e que não esqueçamos nunca das sábias palavras do Papa Francisco: " O PASTOR TEM QUE TER CHEIRO DE OVELHAS". Que a gloriosa corporação as siga enquanto é tempo.....

    ResponderExcluir