Nos deixou ontem ( 16/12/15) o Ten PM Licildo Amiche Tebaldi, o nosso Ten Amiche.
Corria o ano de 1983, era Dezembro, havia acabado de cursar o CAO ( Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais) que habilita o Capitão a promoção de Major.
Em rápida conversa de patio, recebi do Maj PM Évio, o convite para ser seu Sub Cmt na Unidade de Queimados, então 2ª Cia Independente de Policia Militar. Aceitei de pronto e lá fui cumprir minha missão.
Fiquei pouco tempo. Como havia, por deficiência de efetivo, acumulado com a função de P/4 ( Seção do Estado Maior que cuida da logística), alguns probleminhas começaram a surgir. Entre eles o fato de eu prender por fraude na entrega de mercadoria, e apresentar na DP local, a 52ª, o fornecedor de carne para a Unidade. Após promover sucessivas comunicações a DGAL ( Diretoria Geral de Apoio Logístico), tendo em vista que o açougue teimava em cometer ilícitos, aquele fornecedor veio a ser considerado inabilitado para fornecer para toda a PM. Como ele atendia a totalidade das Unidades da Baixada a época, infelizmente teve que fechar as portas.
Pouquíssimo tempo depois recebi do Escalão Superior a meritória distinção de me apresentar ao então DESIPE para assumir a Direção do Instituto Penal Candido Mendes, a então famosa Cadeia da Ilha Grande. Foi assim que conheci o então , já lendário, Sargento Amiche, Chefe da Secão de Segurança do Presidio.
Ainda não contarei aqui todas as nossas historias profissionais, juntos vividas naquela longínqua Ilha, pretendo fazê-lo em publicação futura, mas, no momento pretendo apenas mostrar algumas facetas de seu comportamento , que evidenciarão algumas marcas de seu caráter.
Em meu primeiro dia na Ilha, Amiche procurou-me e colocou seu cargo à disposição, alegando que o fazia para que eu pudesse trazer e formar minha equipe. Falava rápido, na posição de sentido, olhar fixo no interlocutor, sua inseparável varinha de comando junto ao corpo, vez ou outra cofiava o negro bigode, já carente de apara.
Perguntei a ele se havia visto alguém comigo ao descer no atracadouro do Abrãao. Estava só, vinha de um ano de curso e alguns meses de unidade nova, portanto carente de equipe, ainda mais para missão altamente espinhosa em território inóspito em meio ao Oceano Atlântico. Além do mais , entre o recebimento da missão e meu desembarque na Ilha haviam se passado apenas dois dias. Sua primeira reação, após arregalar os olhos e cofiar seguidas vezes o bigode foi perguntar: o senhor aceitou essa missão sozinho, sem nada nem ninguém junto ou na retaguarda? Ao ouvir meu sim , senti que ali estava nascendo uma eterna amizade, temperada por admiração e respeito mútuo. Ficou comigo, e foi meu principal auxiliar durante os dois longos anos que dirigi a "Ilha do Diabo".
Logo no inicio senti o efeito e a razão de sua inconteste liderança junto aos funcionários e principalmente a massa carcerária. À época , tínhamos que administrar a vida e a morte de cerca de 1000 custodiados, ora 1200, ora 800. Essa era a flutuação do efetivo carcerário.
Imprescindível dizer que a missão direta do Chefe da Segurança do IPCM ( Instituto Penal Cândido Mendes) era altamente complexa, era missão apenas para os fortes, e ele o foi, isso , em razão de algumas situações enumeradas abaixo :
1. O fenômeno das facções estava em seu momento áureo. O Comando Vermelho ( CV) , e o Terceiro Comando (TC), inimigos de morte, ambos originados naquela Cadeia, filhotes da Falange Vermelha, forçosamente coabitavam nas semi destruídas instalações locais. Seus vários expoentes , Escadinha, Bagulhão, Ricardo Duran, Sergio Mendonça, Gregorio, Portuguesinho, William, Jorge Zambi, Carlão, Japonez, etc, exerciam suas atividades com total vigor e "competência ". Some-se a isso o fato de que a direção do Sistema usava a Ilha Grande como uma estratégica válvula de escape para todo e qualquer preso violento e a principio irrecuperável.
2. As instalações da Cadeia, em razão de sucessivos levantes / revoltas e a ausência do Estados na sua recuperação, estavam totalmente inadequadas (destruídas ) para missão de " Segurança Máxima". Basta dizer apenas que foi a nossa administração quem colocou a energia elétrica puxada do continente. Bom lembrar que em pleno ano de 1984, por seguidas vezes o confere dos presos foi feito à luz de vela, pequenas lanternas e faróis de Jipe, ligados no Corpo da Guarda, durante intermináveis minutos/horas. Isso porque , a usina elétrica construída na década de 40, por presos alemães, usando a força de dois riachos locais, por total falta de manutenção, já não conseguia gerar 10% de sua capacidade original.
Bom registar também que nessa época através de supervisão direta do Sgt Amiche conseguimos elevar todo o perímetro da cadeia para muros de 4 metros de altura com passarelas e guaritas novas em toda sua extensão.
3. As refeições eram feitas com muita dificuldade. Imagine confeccionar diariamente mais de 1000 refeições, 4 ou 5 vezes por dia ( café da manhã, almoço, lanche, jantar, ceia) , com gêneros vindo do continente e a preparação feita pelos próprios presos, em instalações semi destruídas. Isso em uma época que uma episódica falta de alho ou cebola no tempero, ou a ausência de um simples pedaço de goiabada, ás vezes eram passíveis de originar um " berimbolo" ( revolta) na Cadeia. Se não houvera a fiscalização direta e diuturna do Sgt Amiche teria sido impossível.
4. Medico, Dentista, Assistente Social, Assistência Jurídica, havia, mercê de alguns abnegados como o Dr Milton Meneses. Mas suas visitas eram raras e superficiais. De forma alguma tinham condições de atenderem às necessidades diuturnas do "Caldeirão do Diabo", conforme era chamada a cadeia da Ilha Grande. Nesse espaço vazio, quantas e quantas vezes o Sgt Amiche teve decisiva atuação, ora como conselheiro, ora receitando remédios caseiros, ora usando o boticão da cadeia em emergências odontológicas, ora sugerindo a descida de presos com problemas jurídicos graves ao continente.
5. Por ocasião de fugas, virava um perdigueiro. Sabia como ninguém preparar e coordenar as ações das volantes de captura. Não aceitava covardia nem uso de força desproporcional contra seus presos. Seu bondoso coração , que prematuramente o levou, não permitia isso. Mas era inflexível com a aplicação dos Regulamentos Militares e Penitenciários, além de ser exímio atirador.
6. Era um eterno teste para administrar miséria. Não havia nenhuma destinação orçamentaria para as mínimas e comezinhas necessidades de um complexo daquela natureza. O único recurso que, mês após mês, anos após ano, nos permitia comprar um vidro de mertiolate, 1/2 quilo de prego ou algumas lâmpadas ou pilhas para lanternas dos Guardas, era oriundo da venda de peixes que pescávamos através de métodos medievais, por guarnições de guardas e presos, na Praia de Dois Rios, onde era situado o complexo penitenciário. Normalmente, ás 4/ 5 horas da manhã, na saída das canoas, lá estava o Sgt Amiche.
7. Não havia comunicação. Nem telefone ( fixo ou celular) , nem rádio, nem telex, nada. Nossa única comunicação com o continente era o telégrafo sem fio ( código morse), que ficava imprestável, por quase durante todo o tempo, por razões atmosféricas. O Sgt Amiche compensava essa falta de comunicação local, através de sua presença física. Era quase onipresente.
Cadeia de Segurança Máxima como?? Com que recursos ?? Onde estavam os meios que permitiriam atingir os fins de uma Cadeia de Segurança Máxima ?? Mas era ali que reinava, em meio ao caos , com sua competência, constância, lealdade, bravura física e moral, , integridade, amor a sua corporação PM e liderança, o Chefe de Segurança do IPCM, o incorruptível e inesquecível Sargento Licildo AMICHE Tebaldi.
Obrigado caro amigo, vá com Deus, suas marcas ficarão para sempre insculpidas na memoria das pessoas de bem.
Segurança Pública/Selva/Defesa Institucional da PMERJ. Espaço criado para recordar momentos na vida de um policial, neste caso teremos o " Escaninho de Recordações". Destaque para a manutenção permanente do fator Selva e sua proteção, bem como também, artigos sobre Segurança Pública e Defesa Institucional de uma de nossas mais importantes instituições brasileiras, as Policias Militares, particularmente a PMERJ.
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Bela e justa homenagem, parabéns comandante.
ResponderExcluirObrigado companheiro. Fui bafejado pela sorte por tê-lo conhecido.
ExcluirBela e justa homenagem, parabéns comandante.
ResponderExcluirEsse é o reconhecimento de um verdadeiro Comandante. Parabéns Cel Wilton.
ResponderExcluirObrigado caro Ary.
ExcluirJustíssima homenagem, caro amigo Wilton. Emocionante o seu relato. Aquilo era realmente o "Caldeirão do Diabo".
ResponderExcluirObrigado caro amigo e mestre.
ExcluirCaro Coronel Wilton, obrigado por suas palavras de carinho e reconhecimento ao Tenente Amichi, meus saudoso sogro.
ResponderExcluirPor ocasião de seu sepultamento disse que se sua vida fosse um filme, este seria "Homens de Honra".
Com sua partida, somente o Céu ganhou. A família, a Igreja, a Corporação, o Brasil...todos perdemos. Ficamos mais pobres de caráter, de honra, de brio e de qualidades.
Ao partir Tenente Licildo Amichi Tebaldi nos deixou mais pobres de presença, provisão, proteção e promoção.
Foi-se o homem de cultura limitada, mas PhD em vida. Se foi, mas amado, beijado, abraçado, querido e requerido.
O Livro de Provérbios, capítulo 13, versículo 22 diz que " Um homem de bem deixa uma herança para oa filhos de seus filhos...". Ele deixou!
Não dinheiro ou bens materiais, mas três coisas fundamentais para posteridade: Exemplo, Exemplo e Exemplo.
Agradeço a Deus pelo privilégio de ser seu genro. Conheci de perto alguém que ajudou a escrever a história.
Obrigado caro Vicente por sua intervenção. Nosso Amiche já está fazendo muita falta.
ExcluirCaro Coronel Wilton, obrigado por suas palavras de carinho e reconhecimento ao Tenente Amichi, meus saudoso sogro.
ResponderExcluirPor ocasião de seu sepultamento disse que se sua vida fosse um filme, este seria "Homens de Honra".
Com sua partida, somente o Céu ganhou. A família, a Igreja, a Corporação, o Brasil...todos perdemos. Ficamos mais pobres de caráter, de honra, de brio e de qualidades.
Ao partir Tenente Licildo Amichi Tebaldi nos deixou mais pobres de presença, provisão, proteção e promoção.
Foi-se o homem de cultura limitada, mas PhD em vida. Se foi, mas amado, beijado, abraçado, querido e requerido.
O Livro de Provérbios, capítulo 13, versículo 22 diz que " Um homem de bem deixa uma herança para oa filhos de seus filhos...". Ele deixou!
Não dinheiro ou bens materiais, mas três coisas fundamentais para posteridade: Exemplo, Exemplo e Exemplo.
Agradeço a Deus pelo privilégio de ser seu genro. Conheci de perto alguém que ajudou a escrever a história.
Linda homenagem Cmt!
ResponderExcluirÉ o reconhecimento e gratidão por uma verdadeira amizade!
Obrigado caro Fabio.
ExcluirTive o prazer de conhece-lo, grande homem e aprendi muito com ele!
ResponderExcluirAfirmativo.
ExcluirEle tinha um sitio na subida da serra e meu pai trabalhava pra ele, sempre que ele estava no sitio eu gostava de ir lá pois suas historias e conselhos eram fascinantes.
ResponderExcluirSaiamos andando pelo sitio e no final da tarde parávamos e ele ia pra sua meditação e ficava ouvindo seu velho radio com as noticias do dia...saudades desse tempo!
Nosso Amiche realmente era uma figura humana inigualável. Obrigado pela intervenção.
ExcluirQue grata e linda homenagem, ao meu amado sogro Ten. Amiche, um homem de grande valor e honra. Que deixou para nós um legado de amar e respeitar o próximo.
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